Excelentíssimo Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal
A União Socialista Democrática, com devida representação no Congresso Nacional, devidamente registrado no Tribunal Superior Eleitoral pelo seu presidente, jgldec, vem, através de seu notável saber jurídico, com fundamento no disposto no art. 102, § 1º da Constituição Federal e nos dispositivos da Lei n° 9.882/99, impetrar a presente
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL
que indica como preceitos violados os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, da cidadania e da não discriminação, bem como os direitos fundamentais à inviolabilidade da vida, à liberdade, à igualdade, à proibição de tortura ou tratamento desumano ou degradante, à saúde e ao planejamento familiar, todos da Constituição Federal (art. 1º, incisos I e II; art. 3º, inciso IV; art. 5º, caput e incisos I, III; art. 6º, caput; art. 196; art. 226, § 7º), para que seja declarada a não recepção parcial dos art. 124 e 126 do Código Penal (Decreto-Lei no 2.848/1940).
I – DOS FATOS:
1. O questionamento da legitimidade da criminalização do aborto induzido e voluntário, doravante descrito apenas como “aborto”, exige o enfrentamento de uma pergunta: os art. 124 e 126 do Código Penal se justificam diante de preceitos constitucionais? A tese desta Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) é que as razões jurídicas que moveram a criminalização do aborto pelo Código Penal de 1940 não se sustentam, porque violam os preceitos fundamentais da dignidade da pessoa humana, da cidadania, da não discriminação, da inviolabilidade da vida, da liberdade, da igualdade, da proibição de tortura ou tratamento desumano ou degradante, da saúde e do planejamento familiar de mulheres, adolescentes e meninas.
2. Questiona-se ainda, a legitimidade da consolidação do Preceito Fundamental que rege os artigos 124 e 126 do CP/1940 de maneira que as motivações para tais artigos advém de motivações religiosas, fervorosamente presentes na sociedade e na política brasileira. O Estado Brasileiro é laico, portanto a obrigação desta Suprema Corte é reger a constituição de maneira a respeitar a laicidade do Estado, não permitindo que leis feitas sob um pensamento religioso se façam agir sobre aqueles que pensam de outra maneira.
3. Por razões diversas, presume-se que a criminalização do aborto se justificaria para proteger a vida do embrião ou do feto, o que seria um direito previsto no ordenamento constitucional. Tanto a razoabilidade desse pressuposto será posta em discussão quanto a ausência de seus fundamentos constitucionais será demonstrada nesta ADF. Segundo Ronald Dworkin, “não há nenhum fato biológico à espera de ser descoberto, nenhuma analogia moral esmagadora à espera de ser inventada que possa resolver o problema”.Isso significa que a solução da questão do aborto deve ser jurídica, e as evidências científicas relevantes à pacificação constitucional da controvérsia devem ser aquelas que apontam para os sentidos de justiça da criminalização do aborto à luz da ordem constitucional vigente e de instrumentos internacionais de direitos humanos.
4. A despeito do extenso debate constitucional transnacional sobre o caráter não absoluto e sim gradual da proteção jurídica ao desenvolvimento embrionário e fetal, também já assentado na jurisprudência desta Suprema Corte, o aborto seria um “caso difícil” pelo forte apelo moral que provoca. Em democracias constitucionais laicas, isto é, naquelas em que o ordenamento jurídico neutro garante a liberdade de consciência e crença no marco do pluralismo razoável e nas quais não se professa nenhuma doutrina religiosa como oficial,como é o caso do Brasil, enfrentar a constitucionalidade do aborto significa fazer um questionamento legítimo sobre o justo: qual a razoabilidade constitucional do poder coercitivo do Estado para coibir o aborto? A longa permanência da criminalização do aborto é um caso de uso do poder coercitivo do Estado para impedir o pluralismo razoável.
5. Ainda que a taxa de prisão por aborto seja desprezível quando comparada ao universo de mulheres que realizaram aborto, não se pode argumentar ausência de efeitos nocivos da lei penal. Para além da persecução penal discriminatória imposta a decisões reprodutivas das mulheres, a criminalização do aborto amplia seus efeitos de morbimortalidade. Estudos recentes estimam que entre 8 e 18% de mortes maternas no mundo decorram de abortos inseguros, e estão concentradas em países pobres. No Brasil, a própria criminalização dificulta a produção de dados nacionais confiáveis sobre a mortalidade associada ao aborto inseguro, mas sabe-se que cerca de metade das mulheres que fez um aborto ilegal no país precisou ser internada.
2. Questiona-se ainda, a legitimidade da consolidação do Preceito Fundamental que rege os artigos 124 e 126 do CP/1940 de maneira que as motivações para tais artigos advém de motivações religiosas, fervorosamente presentes na sociedade e na política brasileira. O Estado Brasileiro é laico, portanto a obrigação desta Suprema Corte é reger a constituição de maneira a respeitar a laicidade do Estado, não permitindo que leis feitas sob um pensamento religioso se façam agir sobre aqueles que pensam de outra maneira.
3. Por razões diversas, presume-se que a criminalização do aborto se justificaria para proteger a vida do embrião ou do feto, o que seria um direito previsto no ordenamento constitucional. Tanto a razoabilidade desse pressuposto será posta em discussão quanto a ausência de seus fundamentos constitucionais será demonstrada nesta ADF. Segundo Ronald Dworkin, “não há nenhum fato biológico à espera de ser descoberto, nenhuma analogia moral esmagadora à espera de ser inventada que possa resolver o problema”.Isso significa que a solução da questão do aborto deve ser jurídica, e as evidências científicas relevantes à pacificação constitucional da controvérsia devem ser aquelas que apontam para os sentidos de justiça da criminalização do aborto à luz da ordem constitucional vigente e de instrumentos internacionais de direitos humanos.
4. A despeito do extenso debate constitucional transnacional sobre o caráter não absoluto e sim gradual da proteção jurídica ao desenvolvimento embrionário e fetal, também já assentado na jurisprudência desta Suprema Corte, o aborto seria um “caso difícil” pelo forte apelo moral que provoca. Em democracias constitucionais laicas, isto é, naquelas em que o ordenamento jurídico neutro garante a liberdade de consciência e crença no marco do pluralismo razoável e nas quais não se professa nenhuma doutrina religiosa como oficial,como é o caso do Brasil, enfrentar a constitucionalidade do aborto significa fazer um questionamento legítimo sobre o justo: qual a razoabilidade constitucional do poder coercitivo do Estado para coibir o aborto? A longa permanência da criminalização do aborto é um caso de uso do poder coercitivo do Estado para impedir o pluralismo razoável.
5. Ainda que a taxa de prisão por aborto seja desprezível quando comparada ao universo de mulheres que realizaram aborto, não se pode argumentar ausência de efeitos nocivos da lei penal. Para além da persecução penal discriminatória imposta a decisões reprodutivas das mulheres, a criminalização do aborto amplia seus efeitos de morbimortalidade. Estudos recentes estimam que entre 8 e 18% de mortes maternas no mundo decorram de abortos inseguros, e estão concentradas em países pobres. No Brasil, a própria criminalização dificulta a produção de dados nacionais confiáveis sobre a mortalidade associada ao aborto inseguro, mas sabe-se que cerca de metade das mulheres que fez um aborto ilegal no país precisou ser internada.
II – DOS PEDIDOS
Em face do exposto, requer à Suprema Corte:
7. Ter um filho é um evento central na vida das mulheres; portanto, as condições de que dispõem para decidir se, como ou quando fazê-lo concretizam os princípios fundamentais de dignidade da pessoa humana e da cidadania, na medida em que conformam a capacidade delas de se autodeterminar, de forma a realizar o projeto de vida. Sob a criminalização do aborto, as condições são injustas: submetem as mulheres a riscos evitáveis de adoecimento e morte, bem como a tratamentos humilhantes e degradantes em momentos de intensa vulnerabilidade, o que viola o direito delas à vida, à integridade física e psicológica, à saúde e à não submissão a práticas de tortura ou tratamentos desumanos; impedem-nas de gozar a vida conforme sua própria concepções de bem, o que infringe o direito delas à liberdade e à autonomia; discriminam decisões reprodutivas delas, afrontando a previsão constitucional de igualdade entre homens e mulheres; reproduzem a desigualdade de renda, cor e região que torna algumas vidas mais precarizadas que outras, o que frustra o princípio fundamental da República, de promoção do bem de todas as pessoas sem qualquer forma de discriminação; impõem-lhes extremo sofrimento quando buscam tomar decisões responsáveis sobre o futuro, o que desrespeita o direito ao planejamento familiar.
8. Ainda que se imagine ser um objetivo constitucionalmente legítimo a proteção ao valor intrínseco do humano no embrião ou feto, a máxima da proporcionalidade demonstra que a criminalização do aborto não é medida adequada nem necessária para alcançar tal finalidade, já que não coíbe a prática nem promove meios eficazes de prevenção da gravidez não planejada e, consequentemente, do aborto, que exigem educação sexual integral, acesso a métodos contraceptivos adequados, combate à violência sexual e fortalecimento da igualdade de gênero. A única eficácia garantida pela criminalização do aborto diz respeito à promoção de graves violações de direitos fundamentais das mulheres, o que consolida a demonstração de sua desproporcionalidade. A criminalização do aborto não protege o direito à vida, apenas subjuga mulheres, em particular as jovens, negras e indígenas, pobres e nordestinas.
9. Ao longo desta argumentação, diferentes métodos de interpretação constitucional levaram ao mesmo resultado: a inconstitucionalidade da criminalização do aborto. Neste contexto, é útil reconhecer a solução jurídica encontrada pela maioria dos países desenvolvidos e por um crescente número de países em desenvolvimento: Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Cidade do México (México), Dinamarca, Eslováquia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Guiana Francesa, Hungria, Itália, Letônia, Lituânia, Moçambique, República Checa, Rússia, Suíça e Uruguai autorizam a interrupção da gestação por decisão da mulher até 12 semanas de gestação; na África do Sul, no Camboja, nos Países Baixos, na Romênia e na Suécia, o prazo varia entre 13 e 18 semanas; em países como Austrália, Canadá, China e Estados Unidos, o limite gestacional para aborto varia internamente, e em geral segue o marco temporal mínimo de 12 semanas.
PEDIDO DEFINITIVO8. Ainda que se imagine ser um objetivo constitucionalmente legítimo a proteção ao valor intrínseco do humano no embrião ou feto, a máxima da proporcionalidade demonstra que a criminalização do aborto não é medida adequada nem necessária para alcançar tal finalidade, já que não coíbe a prática nem promove meios eficazes de prevenção da gravidez não planejada e, consequentemente, do aborto, que exigem educação sexual integral, acesso a métodos contraceptivos adequados, combate à violência sexual e fortalecimento da igualdade de gênero. A única eficácia garantida pela criminalização do aborto diz respeito à promoção de graves violações de direitos fundamentais das mulheres, o que consolida a demonstração de sua desproporcionalidade. A criminalização do aborto não protege o direito à vida, apenas subjuga mulheres, em particular as jovens, negras e indígenas, pobres e nordestinas.
9. Ao longo desta argumentação, diferentes métodos de interpretação constitucional levaram ao mesmo resultado: a inconstitucionalidade da criminalização do aborto. Neste contexto, é útil reconhecer a solução jurídica encontrada pela maioria dos países desenvolvidos e por um crescente número de países em desenvolvimento: Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Cidade do México (México), Dinamarca, Eslováquia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Guiana Francesa, Hungria, Itália, Letônia, Lituânia, Moçambique, República Checa, Rússia, Suíça e Uruguai autorizam a interrupção da gestação por decisão da mulher até 12 semanas de gestação; na África do Sul, no Camboja, nos Países Baixos, na Romênia e na Suécia, o prazo varia entre 13 e 18 semanas; em países como Austrália, Canadá, China e Estados Unidos, o limite gestacional para aborto varia internamente, e em geral segue o marco temporal mínimo de 12 semanas.
Por todo o exposto, a União Socialista Democrática requer:
(a) a notificação do Congresso Nacional para que preste informações, com base nos art. 5o, §2o, e art. 6o, da Lei no9.882/1999;
(b) a promoção da oitiva do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, com base nos art. 5o, § 2o, e art. 7o, parágrafo único, da Lei no9.882/1999;
(c) a confirmação da medida liminar e, no mérito, a procedência da presente Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental para que, com eficácia geral e efeito vinculante, esta Suprema Corte declare a não recepção parcial dos art. 124 e 126 do Código Penal, para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção da gestação induzida e voluntária realizada nas primeiras 12 semanas, por serem incompatíveis com a dignidade da pessoa humana e a cidadania das mulheres e a promoção da não discriminação como princípios fundamentais da República, e por violarem direitos fundamentais das mulheres à vida, à liberdade, à integridade física e psicológica, à igualdade de gênero, à proibição de tortura ou tratamento desumano ou degradante, à saúde e ao planejamento familiar, de modo a garantir às mulheres o direito constitucional de interromper a gestação, de acordo com a autonomia delas, sem necessidade de qualquer forma de permissão específica do Estado, bem como garantir aos profissionais de saúde o direito de realizar o procedimento.
d) A intimação do Procurador-Geral da República, e do Advogado-Geral da União, para que no prazo regimental possam dar seus respectivos pareceres.
Nesses termos, peço deferimento.
Santo André, SP – 15 de março de 2019
jgldec
jgldec
III – Bibliografia
ADPF n° 442/2017 – Partido Socialismo e Liberdade/DF – 06/03/2017